sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Enchendo Lingüiça

O Enterro da Minha Avó

Minha avó era flamenguista. Pronto. É só isso que tenho pra falar do Mengão na coluna de hoje.

Era uma velha do cacete! Não recusava uma cervejinha gelada e era sempre a última a parar de dançar nas festas. Absolutamente divertida, de bem com a vida e sobretudo, com um senso de humor apuradíssimo. Era muito sarcástica.

Assim era a Adelaide.

Na festa de aniversário de 80 anos ela pediu: "quero uma foto com cada neto e depois quero que vocês mostrem para seus filhos. Não sei se ano que vem estarei aqui. Vai que o "Zé Maria" me chama...". Essa ladainha se estendeu pelos outros anos que se seguiram. E todo ano a gente tirava a tal foto. Na festa de 90 anos, a mesma história: "quero uma foto..." naquele ano ela foi interrompida pelo coro uníssono dos netos: "NÃÃÃÃÃÃO, VÓÓÓÓÓ!!! CHEGA, NÉ?".

E o "Zé Maria" a chamou, dias depois que ela completou 96 anos. Não foi surpresa, já estava há algum tempo internada com complicações pulmonares.

Eu tava morando em São Paulo, recebi a notícia logo cedo. Fui informado que o enterro aconteceria às 16 horas, daquele mesmo dia, no cemitério do Caju, Rio de Janeiro.

Resolvi ligar para o meu irmão (Felipe, que aparece na foto acima com a Adelaide), que era o xodó da vovó, que tava morando no Rio:

- Oi, Felipe. É o Tatá. Já tá sabendo da Adelaide?
- Tô. Você vem pra cá?
- Pretendo, mas vai ser foda. já são quase onze horas. Até eu resolver umas coisas aqui no trabalho, arrumar uma grana, me picar pro aeroporto... Não sei se dá tempo. Segura as pontas aí que eu vou ver se arrumo um jeito.
- Tá legal. Eu tô aqui em São Cristóvão ( AO LADO DO CEMITÉRIO), mas é rapidinho. Já já vou pra lá.
- Beleza. Se eu não chegar a tempo, enrola aí... faz qualquer coisa.

Consegui chegar no velório lá pelas três horas. Chora daqui, chora dali... e percebo que meu irmão nem havia passado por lá. Liguei novamente.

- Felipe...
- E aí? onde tu tá?
- Porra! eu é que pergunto! Tô aqui no velório. Consegui despencar de São Paulo pra cá e chegar antes de você.
- É, mas eu não tô de avião. Güenta aí. Guarda uma alcinha (do caixão) pra mim.

Comecei a ficar puto com aquela situação. Faltando quinze minutos para as quatro da tarde, o coveiro veio dar continuidade ao funeral e eu tive que suborná-lo com dez conto: "amigão, vai tomar um cafezinho que tá faltando um neto dela. Ele já tá chegando, quebra o galho." Não segurei por muito tempo e o féretro partiu. Liguei novamente:

- PORRA, FELIPE!!!
- Calma, tô chegando...
- Tá chegando é o cacete! Não dá pra esperar. O enterro vai acontecer sem você. Vou desligar o celular, e vê se vem logo!

Conduzimos vovó ao descanso eterno, com todas as honras de direito. Estávamos conformados, pois Adelaide viveu intensamente por muito tempo. Foi feliz, mas tava na hora.

Depois do enterro propriamente dito concluído, voltamos caminhando pelas quadras do cemitério, quando um outro funeral estava cruzando a nossa frente. Cordialmente paramos e esperamos. Era um cortejo fúnebre como qualquer outro, com muitas pessoas tristes. No final da fila, cabisbaixo, chorando copiosamente... o Felipe! Isso mesmo! Chegou atrasado e seguiu a primeiro bloco que passou achando que era o nosso. Ele vinha apoiado no ombro de um cara e com a outra mão, enxugava as lágrimas. Foi um sentimento muito estranho. Eu queria matar meu irmão! Já estávamos mesmo num cemitério. Seria apenas mais um. Quando ele me viu, se espantou. Até se mancar da gafe, quase perguntou "quem morreu aí?".

Pediu desculpas pra outra turma e veio a nosso encontro. Que vergonha! Eu tava muito transtornado com aquela cena patética dele chorando pelo defunto errado. Mas logo em seguida nos tocamos que não poderia ser diferente. Só mesmo no enterro da Adelaide pra acontecer uma dessas. Certamente ela devia estar rindo muito daquilo tudo.

Tivemos uma crise de riso, sem que falássemos nada. Apenas caímos na gargalhada. Glorinha advertiu: "meninos, comportem-se. Estamos num cemitério". Mas a gente ria cada vez mais. Saímos de lá, atravessamos a rua, fomos pra um boteco e prestamos a última homenagem à Adelaide, fazendo o que ela mais curtia na vida: Rir e beber.

"Bênça", Vó!



Adelaide adorava frases-feitas. Muitas inventadas por ela, todas com rimas. Quando alguém sentia um cheiro suspeito e perguntava "quem foi?", ela respondia na hora: "quem sentiu, do cu saiu"

3 comentários:

Fábio Martins disse...

Como disse pelo msn, defino esta tua crônica em uma palavra: GENIAL.

Abração, Tatá.

JUBA Spaziani disse...

Essa eu já conhecia.

heheheehhhhehhehehehe

Excelente!

Rafael Kury disse...

Eu não conhecia e achei a história fantástica!!! Melhor que "Retrato Falado"... vou filmar esse "roteiro"!

De arrepiar!

Abraços